O início do fim

1958_26_The Ascension of Christ, 1958 - Dali

O início do fim
Parte I: O epílogo de todas as horas
Thiago Amurim Sarmento = Andarilhos

E o que eu queria era ver todos meus irmãos bem, queria ter a certeza que todos teriam um prato de feijão, queria amar e viver meu amor, queria observar na rótula do meu quarto e ver tudo que sonhei, queria tudo e tomar de uma vez, não penso em depois ou momentos postiços, eu apenas quero viver rápido, quero amar exageradamente, quero sorrir, quero ver minha vó feliz, quero ver minha mãe sorrindo, quero ver as crianças da rua sorrindo, quero tomar minhas doses, quero tudo em fim, e queria meu velho do lado só uma vez mais, queria também observar bem fundo nas nuvens e perceber que nesse mundo existem pessoas boas, e queria um dia ser uma pessoa boa, eu apenas tento, ah... e se não fosse pedir muito queria ver minha filha de quando em vez, só pra variar, e no meio de tanto querer, queria entender minha vida, entender isso tudo, e no fim, eu simplesmente vou dar uma volta por aí...

Mother do you think they'll drop the bomb
Mother do you think they'll like this song
Mother do you think they'll try to break my balls
Oo-ah, Mother should I build a wall

Mother – Pink Floyd

Momentos Privados

***

“A humanidade refletindo em uma privada”

Certo dia não muito distante eu conversava com uma ex-amiga de faculdade, digo ex-amiga porque a faculdade já é “ex” também e de uma certa forma os laços tendem a se perderem gradativamente. Bom, como dizia, nós vínhamos conversando sobre a vida como está, assaltos, violências e outras negativas da vida cotidiana, foi quando declarei que “Sabe querida, se as pessoas visitassem com mais freqüência o – vaso sanitário – nós teríamos aí uma humanidade mais aprazível, mais complacente e mais pensativa, pois esse momento diário do ser humano é de uma reflexão profunda e de uma metafísica inexplicável”. Bom, minha ex-amiga apenas confirmou a idéia que sempre insistia em me dizer: Você é doidão!

Hoje, alguns 5 meses depois de tal pensamento eu continuo com a firme convicção de que o momento privado dos seres humanos são de fato muito produtivos, eu particularmente tive 60% de minhas melhores idéias em tal circunstancia, o grande fenômeno se dá pelo simples motivo: Pensa melhor quem está parado, sentado e em silêncio...

Thiago A. Sarmento

Um outro monólogo

Encantos - Bruno Abreu (http://br.olhares.com/e_n_c_a_n_t_o_s_foto2424339.html)

“Inevitavelmente todas as suas imaginações serão arruinadas pela realidade”

E então? Ainda acredita em amores longínquos ou continua a traçar planos infantis para um futuro já furado? E então? Mesmo chovendo o sol de alguma forma obrigatória terá que nascer amanhã? Ando a conversar com as músicas e tenho aprendido que mesmo diante dos canhões não devemos esquecer que nossa finalidade, se de fato existe alguma não é construir máquinas ou continuar destruindo o mundo, não é simplesmente continuar movimentando as engrenagens do terrível capitalismo, é preciso amar, sem freios ou correntes, amar mesmo sem ser amado, amar para não se sentir solitário quando só, amar para sonhar, amar para ser ridículo as vezes, em fim, pior é apenas sobreviver e se esquecer de ser ridículo, louco ou infantil, no final todos os atos se justificam, só não aquele que não aconteceu.

Essas palavras ao fim não terão nenhuma finalidade, pois ao fim, não é pela finalidade que aqui escrevo, é pela necessidade de compartilhar minhas sensações. A triste sensação é que isso tudo caminha para uma automatização humana, relacionamentos automáticos, beijos obrigatórios, sonhos de castelos, uma busca desumana por o chamado “lugar ao sol”. E em fim, ouvindo a música “Fotografia 3 x 4” de Belchior tive este breve monólogo e escrevi este parágrafo para deixar estes dois versos:

“Mesmo vivendo assim não me esqueci de amar
Que o homem é pra mulher e o coração pra gente dar”

Uma breve reflexão

Estranged - Francisco Veiga (http://br.olhares.com/estranged_foto2461249.html)

“Independentemente de ser, sempre será melhor ter”

Estava eu com minha cabeça no vidro, sim, no vidro da janela do ônibus, eram milhares de vozes, eram milhares de olhares, eram milhares de cheiros e sensações, eram milhares de saudades que me gritavam no peito, será que alguém ali se lembrava de quem já perderam, será que alguém ali sentia a falta que me rasga no peito? Alguém aí para compartilhar um pouco? Como já disse “sentimentos” são coisas abstratas e inúteis e você nem pára um pouco para se ajoelhar diante de sua saudade, nem “pausa” a vida por um tempo para tomar café e chorar um pouco, e nem dá mais para “stop” tentar uma embriaguez com seu vinil preferido, e eu já tenho esquecido o gosto daquele vinho e eu já tenho tentado outras mesmas melodias, mas sempre estamos de volta a “Nobody home”, eu mais eu e um outro eu. Dia após meses e as imagens de seu adeus me consomem ainda hoje pai, e minha incredulidade não permite que eu acredite que um dia ergueremos outra taça a nossas breves lembranças.

Nobody Home – Pink Floyd

Eu tenho um pequeno livro preto
Com meus poemas dentro dele
Eu tenho uma bolsa com uma escova de dente
E um pente dentro dela
Quando eu sou um cachorro bonzinho
Ás vezes eles me jogam um osso
Eu tenho fitas elásticas que mantêm meus sapatos amarrados
Tenho aquelas vaidosas mãos azuis.
Tenho treze canais de merda na TV para escolher
Eu tenho luz elétrica
E eu tenho intuição
Eu tenho surpreendentes poderes de observação
E isto é o que eu sei
Quando eu tentar conversar
No telefone com você
Não haverá ninguém em casa
Eu tenho o obrigatório cabelo permanente de Hendrix
E eu tenho as inevitáveis queimaduras de alfinete
Todas debaixo da minha camisa de cetim favorita
Eu tenho mancha de nicotina nos meus dedos
Eu tenho uma colher prateada numa corrente
Eu tenho um grande piano para sustentar meus restos mortais
Eu tenho olhos selvagens
Eu tenho um forte desejo de voar
Mas eu não tenho para onde voar
Ooooh Baby quando eu pegar o telefone
Ainda assim não haverá ninguém em casa
Eu tenho um par de botas Gohills
E eu tenho raízes enfraquecidas.

Adeus amigo

Moscoso e Thiago A. (2008)

Adeus amigo, até uma outra vida se for possível
“Inevitavelmente a morte há de chegar, quando? Melhor nem atentar!”

A custo tento expressar essas tristes sensações que me fluem a mente nesse exato momento de 19 de Março. A custo tento buscar um mínimo de compreensão do que entendemos por morte. A custo tento tomar a oitava xícara de café desde que recebi a notícia: “Thiago, tenho uma péssima notícia para te dar” falava em voz soturna um amigo no telefone, retruquei como que involuntariamente: “O que foi cara?”, ao que ele diz: “Moscoso faleceu esta manhã”.

Esta sensação de vazio deverá se repetir outras vezes, e tal sensação eu também deixarei em outrem, uma vida inteira, inúmeras lembranças, um legado incrível, uma pessoa extremamente sensível, uma pessoa extremamente sensível é o que posso falar do incrível amigo e professor Moscoso, as palavras me fogem nesse momento, não me delongarei em muitas linhas para dizer que você deixará grandes saudades em todos aqueles que te conheceram e que os momentos de felicidades e que os bons diálogos que tivemos jamais serão esquecidos. Adeus Amigo, sempre lhe tive grande afeto. As diversas emoções e lembranças que me explodem no peito agora não me vem em palavras, apenas em saudade.

E depois de uma vida inteira? Inúmeras lembranças? E depois de tudo? Apenas o silêncio que é a morte, a saudade, o silêncio e a falta. Depois de tudo? Apenas lembranças, lembranças de quem fica e lembranças é o que deixamos e construimos.

Thiago A. Sarmento

Rochester’s Farewell
Michael Nyman

If, underneath death's cold wing,
His restless soul should fly away,
Beyond the grasp of fools,
T'would meet with the bliss they deny,
So stand for him, kneel for him,
As he lies low in kneaded clay,
Pray for him, who prayed too late,
That he might shine on judgement day.


Kyrie Eleison. Christe Eleison.
Kyrie Eleison. Christe Eleison.


O Domine Deus dona nobis pacem.
O Domine Deus dona nobis pacem.

Letra da música final do filme “The Libertine”

O pelado e seu escudeiro

Coisas Mínimas - Guilherme Santos (http://br.olhares.com/coisas_minimas_foto2211160.html)

“Despido, ele seguia, o outro (cão) quase despido o escoltava, ambos no centro da paisagem urbana”.

O tempo já havia consumido metade do dia, estava eu na parada de ônibus a observar a paisagem urbana e a esperar o trem de cada dia com um surpreendente sol escaldante, e como que de um vulto do além eis que surge um homem de aproximadamente 25 anos com ares de demência e sem nenhum ar de roupa, exatamente o que leu, passeava pelado no meio da avenida bem próximo de um colégio chamado CAIC no Maiobão, ele não seguia sozinho, ia acompanhado por um tipo de fiel escudeiro: um cachorro já desgastado por pulgas ou anomalias semelhantes. Caminhava em passos curtos e rápidos e isso fazia com que seu pênis exposto fizesse movimentos bruscos de um lado para o outro, várias senhoritas e senhoras contemplavam a cena como que de obrigação, pois ele vinha em direção impossível de não se observar, e um leve sorriso de pudor e algo que posso chamar de desejo fluía em suas espectadoras, e de fato a vida se configura de tal forma que não podemos atentar para que temos instintos animais e mesmo que alheios às desgraças que não nos interessa acabamos por ser tocados por nossa humanidade animal. O homem tinha apenas problemas mentais e não tinha alguém por ele e se o tivesse, este outro alguém não se importava tanto.

Thiago A. Sarmento

Impressões de uma vadia

http://br.olhares.com/doce_e_rebelde_soraia-_foto2477965.html

Falávamos de álcool, ela não lembrava-se de que havia emprestado seus seios para alguém, eu não me lembrava de quem já fui um dia, silêncio, palavras, silêncio, palavras, vadio e vadia, sentença dada e ela reclamou novamente, e mais uma vez eu pensei: "Somos aquilo que esquecemos", os momentos se configuram prostitutas e as horas são meras megeras indomáveis, eu? Já fui índio azul e negro, e sem perceber entendi o complexo de suas palavras, ela simplesmente não queria admitir que foi prostituída por seus amigos...


Thiago A. Sarmento

Impressões de uma mosca

http://br.geocities.com/insecta_tv/Musca-domestica.JPG

Era meio-dia, a mosca começou a voar intensamente e nada iria pará-la, nada, os insetos possuem vida, devem ter famílias e amarem, e de alguma forma nós achamos saber o desconhecido, Deus, o Diabo, a Morte, sabemos? Não, existe um diabo dos insetos e um deus? Sim! Acredito nisso, pois a cada vão momento entendo que tudo não existe e que o nada é mais insensato que o próprio álcool...


Thiago A. Sarmento

Impressões de uma coxa

http://br.olhares.com/tatuagem_de_angel_foto2536564.html

Bebíamos vinho, falávamos das pernas de uma esquecida namorada e de chofre o esquecimento veio e nos fez entender: "Só sei que nada sei"... É amigo é pra essas coisas, para suportar o outro, para fazer entender que nada sabemos e temos, entender que em algum canto do mundo existe alguém que irá tentar morrer se você morrer, e se espelhar observando as coxas de alguma cretina da vida, é somos animais modernos e letrados...

Thiago A. Sarmento

Impressões segundas

Conversavam sobre pornografia, ele se reclamava de sua rapidez no ato sexual, ele aconselhava que era preciso prática e masturbação, novamente no ônibus, e eu pensei: "O mundo se move dentro de um quarto, um quarto se move dentro de nossos orgãos genitais". E em fim entendi e declarei para mim mesmo, não quero ter carro, pois perderia a sensação das viagens de ônibus...


Thiago A. Sarmento

Impressões do Paraíso

http://br.olhares.com/ruby_foto2348494.html

Esta poesia é algo que mais me alegro em ter juntado, pois penso que a poesia está solta por aí, nós apenas temos que juntar as palavras e dar impressões de demências e é justamente e simplesmente o que faço...

Madrugada quase inerte: pêndulo incerto (frieza)

Semelhanças abusivas entre uma folha e um grito

Corpos entrecortados pela constante aurora

Pedras no telhado, gemidos nas alcovas

Uma estrofe: “sonho que se sonha só”*

Não tenho impressão do paraíso e nem poderia ter

Modelos fabricados! Anjos pintados, tudo reinventado

Chifres, asas, trombetas, alvura estonteante

Tudo fabricado, tudo artisticamente pintado

Como poderia tentar uma primeira impressão do paraíso?

Olhar em seus olhos de desejos? Sentir em teu fogo de volúpia?

“Paraíso” ou pinceladas de prazer em manifestações incontidas

Por que todo um paraíso teria que ser branco?

Não gosto de branco, gosto de azul, vermelho, lilás e porres alucinantes

Sentido a flor dos ossos

Nesta viagem inventada

Toda e qualquer fantasia

É mera luz na estrada

Primeiras impressões

Paraíso?

Paraíso?

Paraíso?

Sonho?

Acorda!

Primeiras impressões:

Levanta, água fria, ônibus lotado

Mais um dia na cidade desencantada

*Raul Seixas

Thiago A. Sarmento

Primeiras Impressões

*
Foi no ônibus minhas primeiras impressões da desgraça, ela falava de forró, a outra (ela) falava de sexo, falavam, falavam, nada diziam além de suas vaginas expostas em vossas caras, pensei então: "Viva e deixe viver"

*
Senhoras e senhores eu vi a cara da morte e ela estava viva, fez sexo com minha mão e teve orgasmos múltiplos na leve impressão de não ser.


Thiago A. Sarmento